O equilibrista
Cansou.
Ao olhar pra baixo, num misto de vaidade e ódio, vê aquele séquito de invejosos.
Aquela multidão de hienas aguardando a carniça.
Fecha os olhos e sente leve tontura.
Alguns pensamentos obscuros percorrem sua mente.
Embora sinta-se tentado, ainda não quer se deixar levar pelo peso daquele sucesso. Não, não...
Um vento frio bate, chicoteia.
O leve balanço da corda vai tornando a mente preguiçosa...
Divagações lentas, memórias vindo à tona...
Lembranças de mágoas e lágrimas. Dores cansadas... Amores perdidos no vento...
É... Talvez seja a hora... Afinal, de que servirá a glória de um ato falho?
De que servirá o louro de uma vitória solitária?
É. Acabou-se aquela milagrosa sensação de bem estar.
É. Cansou de equilibrar-se.
Olha pra cima e vê aqueles sonhos tão bem desenhados em nuvens passageiras.
Relembra algo distante e sente um aperto na garganta.
Fecha os olhos. A tontura volta novamente, mas desta vez não a impede, deixa-se levar naquele vôo finito.
Por um instante há apenas o silêncio, rapidamente interrompido pelo baque e em seguida pelas gargalhadas animais...
O lento vermelho vai escorrendo e tingindo a superfície até então imaculada. Nos rostos, uma expressão de alívio e puro prazer. O show acabou. Agora tudo volta à mesmice. Não há mais o que invejar.
Eis que o equilibrista desistiu.
Eis que o sonho perdeu para o destino.
Forças maiores ainda existem para provar o óbvio...
A corda solitária que ainda existe não é mais a mera coadjuvante. É a estrela a espera de um novo prodígio cheio de si.
O espetáculo foi interrompido.
O equilíbrio foi perdido e assim perderam-se os elos...
O equilibrista caiu.
O sonho morreu.
ImmX em 05/05/05, 00:55 hs