Friday, January 14, 2005

Cores e Dores (trilogia completa)

"Artists can color the sky red because they know it's blue. Those of us who aren't artists must color things the way they really are or people might think we're stupid." - Jules Feiffer

(Artistas podem colorir o céu de vermelho porque eles sabem que é azul. Nós, que não somos artistas, devemos colorir as coisas do jeito que elas realmente são, ou as pessoas podem pensar que somos estúpidos.)

Azul

Ela segura a ave que ele tão gentilmente colocara em suas mãos.
Ela sente suas penas macias e brancas, a respiração frágil, enquanto olhos assustados movem-se velozes.
Ela acaricia a ave tão pequena e sorri, sentindo um certo poder.
Ele a fita ansioso.
-Espero que a aceite e cuide bem dela. É um presente.
O ar está parado, quente. Um silêncio quebrado por pequenas pulsações irregulares.
Um coração acelerado.
Ela sente a pressão entre seus dedos. Olha para ele e além, mas não enxerga o que procura.
-Onde está?
A pressão aumenta. Ele fecha os olhos e uma lágrima nasce.
-Onde está??
Ele não consegue mais segurar e a lágrima se transforma em pranto.
Irritada, ela olha para o lado. A pressão quase insuportável em sua mão. Sente dor, mas não liga.
Ele continua a chorar. Soluça.
Os sons misturam-se na sala vermelha. Uma sinfonia de soluços e ossos partindo.
Ele cai de joelhos aos pés dela.
-Amor...
Gotas caem em sua testa suada, e escorrem, misturando-se às lágrimas.
Ele enxuga o rosto. Suas mãos agora vermelhas...
Ele percebe o erro.
Ela devolve a ave.
Segurando a massa sangrenta e sem vida, ele a vê abrir a porta.
- Aqui, amor, estava bem aqui...
Mas ela não ouviu.
12/01/05


Vermelho

Ela fechou a porta. Deu alguns passos.
Pareceu ter ouvido algo, mas não parou.
Olhou para suas mãos, vermelhas e doloridas, pensativa...
Um grito. Ela olhou para trás.
Algo aconteceu na sala vermelha.
Pensou em voltar... Virou o corpo, mas mudou de idéia...
Afinal, é passado... Tudo se tornara passado.
Não havia nada que ela pudesse fazer.
Foi em direção ao banheiro branco.
A pia e o espelho a esperavam.
Os pedaços de penas grudados no sangue seco a incomodaram.
Um cheiro de carne cru e sangue animal encheu o lugar.
A água era corrente e limpa. Mas não removeu a sujeira.
Ela esfregou com mais força usando o sabonete azul.
A espuma se formou, abundante, mas ainda assim não foi suficiente.
Ela sentiu-se absurdamente impura. Não apenas suas mãos, seus braços também.
Olhou no espelho.
Foi assustador o que viu.
Correu para o chuveiro.
A água caía abundante, mas quente demais..
Ela não conseguiu se limpar.
O banheiro então enfumaçado, parecia uma prisão.
Olhou para os pés. Pareciam garras.
Suas mãos... Contorcidas.
O espelho.
O grito.
E ela arrancou os próprios olhos.
13/01/05


<>Verde

Ele pensará no que aconteceu até tarde.
Não conseguirá dormir. Não, não...
-Ahhhhhhh!
Vergonha por ter gritado...
Vergonha por ter chorado...
Passará... Passará.
Momentos de silêncios vazios...
Momentos de pensamentos incertos...
Momentos interrompidos por ela.
Ela gritou! Sim, com certeza! Gritou...
Mas já era esperado...
E ele fará nada, pois o que está escrito está e o será.
Ouvirá novamente aquele grito, vez ou outra...
Em pesadelos, talvez.
Mas a imagem desbotará.
Os sons cessarão.
E ela irá aceitar... Um dia.
Ela vai olhar e vai enxergar...
Mas isso é futuro.
Daqui a pouco, no quarto verde ele irá dormir.
Não sem antes lembrar da ave morta no chão.
Triste, outra lágrima provavelmente cairá.
Até que um dia, sim, um dia...
Até que um dia ele se lembre de esquecer...
Ela, então, reabrirá a porta.
E mesmo no escuro poderá enxergar.
Pois o amor em suas mãos a guiará.

"Love is a bird, she needs to fly"
Frozen - Madonna

(O amor é uma ave, precisa voar)
14/01/05

Espero que vocês tenham gostado de ler essa trilogia, da mesma forma que me diverti escrevendo. Espero também, que todos tenham encontrado seu significado oculto e subjetivo.